Por Wisam Zoghbour, desde Gaza
No dia 7 de outubro, completa-se o segundo aniversário da guerra de extermínio em Gaza, mas essa data não é apenas um marco temporal em um calendário palestino carregado de tragédias; é, antes de tudo, uma prova moral para o mundo inteiro. Dois anos se passaram desde que Gaza se transformou em um palco aberto de sangue e cinzas, um espelho que reflete o verdadeiro rosto de uma ordem internacional que perdeu o pouco que restava de sua consciência. Desde o primeiro instante, a guerra contra Gaza não foi apenas uma ofensiva militar, mas um plano sistemático para arrancar pela raiz a presença palestina, destruir as bases da vida e subjugar a consciência coletiva por meio do terror e da opressão.
Mas, diante de toda essa destruição, Gaza resistiu. Não foi derrotada, apesar da fome, da ruína e do isolamento. Pelo contrário: redefiniu o sentido da vida em meio à morte e o significado da liberdade dentro do cerco. Em cada bairro devastado, atrás de cada imagem de uma criança retirada dos escombros, pulsava uma nova narrativa sobre o ser humano palestino que se recusa a ser apagado, custe o que custar.
Dois anos após o genocídio, o mundo ainda hesita em chamar o crime pelo seu verdadeiro nome. Os relatórios das Nações Unidas falam em tons neutros, e as capitais ocidentais se escudam no “direito à autodefesa”, quando já está claro que a única defesa legítima é a de Gaza pelo seu direito de existir. Ao mesmo tempo, cresce na consciência global o coro de vozes livres, vindas de universidades, instituições culturais e sociedades civis, que desmascaram as mentiras e rompem o monopólio da narrativa israelense.
A máquina de guerra fracassou em alcançar seus objetivos. Não destruiu a resistência, não forçou o povo a partir, não quebrou o espírito de desafio que hoje se tornou parte da própria identidade combativa de Gaza. A destruição que pretendia servir como instrumento de submissão transformou-se em um documento de acusação pendurado diante do mundo, uma memória coletiva que redefine o sentido de justiça e dignidade no século XXI.
No plano político, a guerra expôs de forma brutal a realidade palestina, árabe e internacional. O silêncio oficial árabe não foi menos letal que os mísseis, e a divisão palestina foi explorada para minar o projeto de libertação nacional. Ainda assim, a experiência provou que o povo palestino é o único que pode manter viva sua causa e que apostar na vontade popular é mais sólido do que qualquer acordo de engano ou barganha regional.
Quando se completam dois anos do início do genocídio, não é apenas uma ocasião para lamentar as vítimas, mas um chamado para responsabilizar os criminosos e reconstruir o projeto nacional palestino sobre os pilares da unidade, da resistência e da justiça. Gaza deixou de ser apenas uma geografia sitiada; tornou-se uma grande ideia moral que desafia a lógica da força e recoloca a questão essencial: o que significa ser humano em um tempo em que o assassino é recompensado e a vítima é punida?
Dois anos depois da guerra de extermínio, Gaza continua a ensinar ao mundo que a vida não é o oposto da morte, mas a sua vitória. Do meio dos escombros, a cidade escreve seu último poema: “Não morreremos duas vezes – uma pelas balas, e outra pelo esquecimento.”
Não se trata apenas de uma lembrança, mas de uma promessa renovada: o povo que resistiu ao extermínio conquistará a liberdade com as próprias mãos.
Edição de Texto: Alexandre Rocha
Wisam Zoghbour é jornalista, membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos e diretor da Rádio Voz da Pátria
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