10 outubro 2025 - 23:26
Gaza após o cessar-fogo – um novo teste para a vontade palestina e para a comunidade internacional

Por Wisam Zoghbour, desde Gaza

O povo palestino, especialmente na Faixa de Gaza, escreve uma nova página no registro de sua resistência lendária com o anúncio do cessar-fogo que pôs fim, ainda que temporariamente, a capítulos sangrentos da agressão israelense que perdura há mais de dois anos. Esse desdobramento, embora traga consigo uma centelha de esperança, representa ao mesmo tempo uma verdadeira prova para a firmeza da vontade palestina e para a credibilidade da postura internacional.

A submissão do governo israelense à decisão de cessar-fogo não foi uma resposta voluntária ou humanitária, mas o resultado direto da resistência sem precedentes de um povo que quiseram ver derrotado, mas que escolheu vencer com dignidade e determinação. Os palestinos em Gaza enfrentaram o cerco, a fome e a destruição sem renunciar ao seu direito à vida e à liberdade, reafirmando que nenhuma força militar, por mais poderosa que seja, é capaz de sufocar a vontade de libertação nacional.

Ainda assim, não se pode dissociar este acordo do contexto de experiências anteriores, nas quais Israel violou repetidamente os compromissos e entendimentos firmados, como ocorreu em 2 de março de 2025, quando o governo de extrema-direita rompeu os entendimentos de trégua e retomou suas operações militares. Daí decorre a necessidade de garantias claras e eficazes por parte dos mediadores, em especial Egito, Catar e Estados Unidos, para assegurar o cumprimento por Israel dos termos do acordo e impedir que sejam contornados política ou militarmente.

Apesar da importância do cessar-fogo, ele não representa o fim efetivo da guerra enquanto não se traduzir em uma retirada completa das forças de ocupação, no levantamento imediato do bloqueio, na abertura permanente das passagens fronteiriças sem restrições e na entrada incondicional de ajuda humanitária urgente. Também deve ser seguido por um plano abrangente de reconstrução da Faixa de Gaza, em parceria com o Egito e os países árabes, para garantir a recuperação da região e o retorno da vida às suas ruas, escolas e hospitais.

Por outro lado, não se podem ignorar os riscos políticos que despontam no horizonte, com as tentativas de Israel e dos Estados Unidos de reimplantar o chamado “segundo capítulo do plano Trump”, que visa separar Gaza da Cisjordânia e consolidar uma nova realidade política capaz de enfraquecer a identidade nacional palestina. Tais planos exigem uma posição palestina unificada, capaz de frustrar qualquer projeto de fragmentação territorial ou desmantelamento da causa nacional.

Nesse contexto, impõe-se a urgência de iniciar um diálogo nacional abrangente que reúna os secretários-gerais das facções, os membros do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina, a presidência do Conselho Nacional e também personalidades nacionais independentes, com o objetivo de chegar a um consenso em torno de um plano nacional unificado que organize a posição palestina na próxima etapa. A formação de uma delegação de negociação unificada, nos moldes da experiência de 2014, constitui igualmente um passo essencial para assegurar a unidade de decisão e de representação palestina em qualquer futuro processo político.

O cessar-fogo não é o fim da guerra. É o início de uma nova batalha, travada agora nas mesas da política e da legalidade internacional, onde serão postos à prova o compromisso do mundo com suas próprias resoluções e sua disposição de fazer cumprir o direito internacional e de pôr fim ao bloqueio que sufoca mais de dois milhões de pessoas.

Quem resistiu aos bombardeios e ao cerco não aceitará ser derrotado nas mesas de negociação, e quem ofereceu sacrifícios imensos não abrirá mão de seu direito à liberdade, à independência e ao retorno.


Edição de Texto: Alexandre Rocha

Wisam Zoghbour é jornalista, membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos  e diretor da Rádio Voz da Pátria

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