26 novembro 2025 - 00:54
A guerra contra Gaza… quando a destruição se torna o maior acelerador da mudança climática

Enquanto líderes mundiais se reúnem no Brasil, durante a Cúpula do Clima COP30, para discutir políticas de redução de emissões e o futuro da energia limpa, um estudo climático recente revela uma verdade chocante: 24 meses de guerra israelense contra Gaza produziram emissões de carbono superiores às emitidas anualmente por cem países inteiros.

Assim, Gaza, a cidade sitiada e ferida, transforma-se em uma das maiores vítimas do desequilíbrio climático global – e a ironia amarga é que seu próprio clima está sendo devastado agora pela mesma guerra.

A guerra como desastre climático silencioso

O estudo mostra que o custo climático de longo prazo da destruição do território e de sua reconstrução ultrapassou 31 milhões de toneladas de CO₂ equivalente. Esse número colossal não reflete apenas emissões passageiras, mas constitui uma pegada de carbono que acompanhará Gaza por décadas, desde a reconstrução de dezenas de milhares de unidades habitacionais, passando pelo reparo da infraestrutura destruída, até a operação de milhares de máquinas pesadas necessárias para remover os escombros e reconstruir o que foi devastado.

Mas o aspecto mais grave está no dado mais significativo: mais de 99% dessas emissões têm origem nos bombardeios e na invasão terrestre israelense. Sozinhos, os tanques e as munições pesadas liberaram 50% do total das emissões, o que significa que a máquina de guerra tornou-se, por si só, uma das mais letais fontes de poluição e impacto climático.

84 usinas a gás… ou 2,6 bilhões de smartphones

Para dimensionar o impacto, as emissões resultantes da guerra em Gaza equivalem ao funcionamento de 84 usinas termelétricas a gás durante um ano inteiro, ou ao carregamento de 2,6 bilhões de telefones celulares. Essas comparações não servem apenas para causar indignação, mas para lembrar ao mundo que as guerras – especialmente as prolongadas – convertem-se em fábricas abertas de carbono, sem limite e sem qualquer compromisso internacional que as contenha.

Enquanto os países são cobrados pelas emissões de suas indústrias, transportes e atividades agrícolas, não existe qualquer obrigação das Nações Unidas para que Israel divulgue suas emissões militares. Essa lacuna jurídica torna o impacto ambiental das guerras ‘oculto’ atrás do ruído político, embora seja hoje um dos mais rápidos aceleradores do aquecimento global.

O clima de Gaza… uma ferida adicional em um corpo saturado de tragédias

Gaza não sofre apenas os ataques militares israelenses; carrega também o peso de uma nova ferida climática. As emissões concentradas agravarão a qualidade do ar, afetarão a saúde pública e aumentarão a fragilidade do ecossistema costeiro, enquanto o mundo recicla seus discursos sobre “justiça climática” e “proteção dos povos mais vulneráveis”.

Mas que justiça climática pode ser defendida quando se transforma uma cidade sitiada em um laboratório aberto de emissões letais? E que conferência internacional do clima pode ignorar que um único país produziu, em um ano e três meses de guerra, mais poluição do que cem nações? Como falar de futuro verde enquanto os impactos das guerras permanecem fora dos registros oficiais internacionais?

O clima não é neutro diante da guerra

A guerra em Gaza provou que o clima não é apenas uma vítima silenciosa, mas também uma testemunha da ausência de justiça internacional. O mundo não pode continuar discutindo redução de emissões enquanto permite emissões ‘militares’ que superam a capacidade de diversos países em desenvolvimento somados, e nenhuma cúpula climática pode reivindicar seriedade se não abrir o dossiê das emissões decorrentes de guerras e ocupações, estabelecendo-as em um marco jurídico obrigatório.

Quando o céu de Gaza se contamina, não é apenas o ar que é poluído... é o sistema global de valores que se desnuda. E enquanto a comunidade internacional não assumir sua responsabilidade, a catástrofe permanecerá duplicada: uma guerra que mata pessoas e poluentes que matam o que resta da vida.

Edição de texto: Alexandre Rocha

Wisam Zoghbour é jornalista, Membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos  e Diretor da Rádio Voz da Pátria

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