Agência de Notícias AhlulBayt (ABNA) – Dois anos após a guerra de extermínio contra a Faixa de Gaza, nada restou da minha casa além de escombros e ruínas. Não era apenas uma edificação de pedra e cimento, mas uma vida inteira espalhada entre os cômodos arrasados, e fotografias que contavam histórias de aconchego e segurança. Não se salvaram os pertences da casa, nem seus pequenos detalhes que nos davam a sensação de pertencimento; tampouco o coração saiu ileso das feridas da perda. A guerra nos arrancou entes queridos e amigos, entre eles dois dos amados filhos da minha irmã, que foram martirizados em lugares e momentos diferentes, mas num mesmo cenário que unifica a perda palestina: uma casa é demolida, uma infância é assassinada, e o céu apaga seus sonhos.
A Gaza que conheço nunca foi amante da guerra, nem fascinada pela destruição, como a ocupação israelense tenta apresentá-la ao mundo. Esta pequena cidade, sitiada há mais de uma década e meia, não conhece senão o amor à vida. Canta apesar do cerco e semeia esperança num solo embebido de paciência e lágrimas. Neste grande massacre, Gaza provou que não cultua a morte, como afirmam, mas se agarra à vida como as raízes à terra. Resiste não apenas para vencer, mas para permanecer.
A casa que ruiu não era apenas paredes e mobiliário; era uma pátria em miniatura na qual nos abrigávamos da dureza do mundo. Era um espelho de nossas memórias, de nossos sonhos e de nossas temporadas de alegrias simples. E, quando a casa é apagada, sentimos como se uma parte da pátria maior fosse arrancada de nossas almas. Ainda assim, a perda dessa pequena pátria não nos impele a partir. Não daremos à ocupação aquilo que por tanto tempo buscou: quebrar a vontade ou arrancar o ser humano de suas raízes.
A ocupação não se contenta em destruir a pedra; procura destruir o próprio sentido. Planta medo e dor em cada esquina e envolve seus crimes em termos enganosos como “deslocamento voluntário”, como se o palestino em Gaza vivesse o luxo de escolher entre a morte ou o exílio. Como se vivêssemos numa cidade platônica ideal, e não numa prisão sitiada cujas paredes se fecham sobre nós a cada dia.
Ainda assim, Gaza responde a essas mentiras com atos, não com palavras. Mesmo debaixo dos escombros, reconstrói suas escolas, abre novamente suas janelas para a vida e colore suas ruas devastadas com as gargalhadas das crianças que voltaram da beira da morte. Gaza não morre; redescobre-se todos os dias, lentamente, mas com uma firmeza que não se dobra.
Sim, a casa desabou e os amados se foram, mas o espírito ainda está aqui. Em cada canto dos escombros brota uma flor, e em cada casa demolida começa uma nova história de resiliência e determinação. Permanecemos aqui, não porque não tenhamos outro lugar, mas porque temos um motivo de valor incalculável: esta terra é nossa, e aqui ficaremos.
Edição de Texto: Alexandre Rocha
Wisam Zoghbour é jornalista, membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos e diretor da Rádio Voz da Pátria
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