23 dezembro 2025 - 01:22
Quando a chuva se transforma em uma ferramenta silenciosa de morte em Gaza

Em Gaza, a chuva deixou de ser um fenômeno natural e passou a simbolizar o fracasso das decisões políticas e da resposta humanitária internacional na proteção dos civis.

Agência de Notícias AhlulBayt (ABNA) – Por Wisam Zoghbour, desde Gaza

Em Gaza, a chuva não é um fenômeno natural passageiro, mas um teste cruel para um sistema internacional que falhou em proteger os civis. As tendas que foram inundadas com a primeira frente fria não afundaram apenas por causa da chuva, mas devido a uma longa cadeia de decisões políticas equivocadas, conivência internacional e incapacidade institucional que transformaram a ajuda humanitária em mera gestão da dor.

Há semanas, as autoridades anunciam a entrada de dezenas, até centenas, de tendas e lonas na Faixa de Gaza, apresentando esses números como prova de resposta humanitária. No entanto, a realidade no terreno revela um enorme abismo entre o discurso e os fatos: tendas inadequadas para o inverno, acampamentos montados sem sistemas de drenagem, e crianças dormindo na lama. A cada tempestade, milhares de deslocados são forçados a fugir novamente, como se o deslocamento tivesse se tornado uma condição permanente, e não uma exceção temporária.

A questão aqui não é técnica, mas eminentemente política: quem decide a forma e os locais de distribuição do abrigo? Com base em quais critérios? E por que vastas áreas de Gaza, incluindo o norte, Khan Younis e a região central, são deixadas sem o mínimo de proteção? Essa obscuridade não pode ser explicada apenas pela falta de recursos; ela reflete uma falha estrutural na gestão da ajuda e uma ausência real de responsabilização.

Israel, como potência ocupante, carrega a primeira responsabilidade legal e moral por essa catástrofe. Destruiu casas e infraestrutura, impôs um cerco sufocante e impediu a entrada de materiais adequados de abrigo. Quando o cimento é proibido, os materiais isolantes são restringidos e os suprimentos de emergência são classificados como “de uso duplo”, o frio torna-se parte da máquina de guerra, e a chuva se transforma em uma arma silenciosa que continua o que as bombas começaram.

No entanto, limitar-se a condenar a ocupação não isenta a comunidade internacional de sua responsabilidade. Estados influentes, instituições da ONU e doadores sabem perfeitamente que tendas precárias não são uma solução para o inverno, e que acampamentos improvisados são uma receita certa para desastres recorrentes. Ainda assim, continuam financiando soluções temporárias e fracassadas, porque são politicamente menos custosas e mais compatíveis com a lógica de “conter a crise” em vez de trabalhar seriamente para encerrá-la.

O mais perigoso é que esses fracassos são encobertos por um discurso humanitário polido. Tiram-se fotos, escrevem-se relatórios e anunciam-se números, enquanto o ser humano em Gaza é deixado para enfrentar a chuva com um cobertor e uma tenda furada. Assim, a ajuda humanitária deixa de ser um dever ético e se torna uma fachada midiática que encobre a impotência política.

Gaza não pede privilégios especiais, mas direitos básicos garantidos pelo direito internacional: abrigo seguro, proteção aos civis e a abertura das passagens para a entrada do necessário à sobrevivência. Enquanto a lógica de “gestão do sofrimento” não for substituída pela lógica da responsabilização e da proteção real, cada inverno que vier será mais uma testemunha do colapso da consciência internacional.

Em outras partes do mundo, chuvas intensas são consideradas desastres naturais que exigem resposta imediata e infraestrutura de proteção integrada. Em Gaza, porém, são tratadas como um detalhe marginal em uma guerra contínua contra a própria vida. Aqui, a pergunta já não é sobre o clima, mas sobre o sistema internacional que permite que a chuva seja transformada em uma ferramenta silenciosa de morte.


Tradução: Dauli Baja

Wisam Zoghbour é jornalista, Membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos  e Diretor da Rádio Voz da Pátria

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