Agência de Notícias Internacional AhlulBayt (a.s.)-ABNA: Al-Chomali não foi um poeta de palcos, mas das trincheiras populares. Seus poemas se assemelham ao povo: são sinceros, sofridos, carregados de dignidade. Se ainda estivesse vivo, teria escrito sobre Gaza sitiada como escreveu sobre Jenin sitiada, sobre Beirute durante a invasão, e sobre os campos de refugiados, quando a poesia era o último refúgio.
Quem foi Antoun Al-Chomali?
O poeta palestino Antoun Al-Chomali nasceu na cidade de Beit Sahour, em 1943, e viveu intensamente as tragédias da Nakba, da Naksa e do exílio, com toda a dor palestina que elas acarretaram. Engajou-se desde cedo no movimento nacional e cultural, e foi um dos nomes proeminentes da geração de poetas comprometidos, que fundiram a palavra com a ação política e a resistência. Publicou diversos livros de poesia, participou da fundação de fóruns literários na pátria e na diáspora, e escreveu para a Palestina, para sua terra e seu povo, não a partir da fuga para simbolismos, mas do âmago do sofrimento cotidiano do povo palestino. Apesar de sua produção abundante e de sua firme posição nacional, Al-Chomali permaneceu como uma das vozes marginalizadas no cenário cultural oficial, como tantos outros criadores que estavam à frente de seu tempo e se recusaram a se alinhar com o discurso dominante.
Diante dos massacres diários cometidos na Faixa de Gaza, com famílias inteiras soterradas a cada novo dia, impõe-se a urgência de recuperar vozes poéticas que escreveram sobre a pátria como um corpo vivo, e não como mero símbolo. Talvez nenhum seja mais representativo do que o falecido poeta palestino Antoun Al-Chomali, que escreveu para a Palestina com a própria carne, não com a imaginação. Um poeta que não buscava cargos, nem fama efêmera, mas sim um sentido autêntico para a palavra, quando ela se transforma em trincheira de resistência.
Num tempo em que se comete um crime de genocídio sistemático em Gaza, resgatar a voz de Al-Chomali torna-se uma necessidade, e não um luxo. Ele compreendeu desde cedo que a Palestina não se reduz a fronteiras geográficas: ela é estado de existência, é língua, identidade e dor. Por isso, escreveu-a sem ornamentos, amou-a sem restrições, chorou-a quando foi deixada sozinha, mas nunca a abandonou.
A palavra resistente em tempos de sangue
Al-Chomali não foi um poeta de palcos, mas das trincheiras populares. Seus poemas se assemelham ao povo: são sinceros, sofridos, carregados de dignidade. Se ainda estivesse vivo, teria escrito sobre Gaza sitiada como escreveu sobre Jenin sitiada, sobre Beirute durante a invasão, e sobre os campos de refugiados, quando a poesia era o último refúgio.
Diante da máquina de guerra israelense e da ausência do mínimo de justiça internacional, resta apenas a poesia, que preserva a memória e reconstrói a consciência. A poesia de Al-Chomali foi um documento de resistência, antes mesmo que os termos acadêmicos como “discurso de resistência” e “narrativa palestina” se popularizassem. Ele precedeu todos com uma declaração simples e profunda: “Estamos aqui, e permaneceremos, mesmo que tudo desapareça.”
O genocídio cultural: a outra face do crime
O que ocorre em Gaza não é apenas um extermínio físico, mas uma tentativa de erradicação completa de tudo o que é palestino: dos bairros, dos hospitais, das escolas...
e dos livros. Nesse contexto, o esquecimento de Antoun Al-Chomali e de outros poetas comprometidos torna-se uma forma de genocídio cultural, quando se apaga o papel que tiveram na formação da identidade coletiva, e se retira de cena aqueles que escreveram com sangue, não com tinta.
A ausência do seu nome nos currículos escolares, nos meios de comunicação, nas celebrações culturais, não é casual, mas fruto de uma política continuada de exclusão. E não se pode enfrentar o projeto de apagamento israelense sem combater, antes, o nosso próprio autoapagamento interno.
O testamento de um poeta a uma geração sob bombardeio
À geração de Gaza, nascida sob o fogo, que vive a juventude entre escombros e escreve o próprio testamento antes de concluir os estudos, dizemos: houve quem os antecedesse, quem escrevesse para vocês, e que os carregasse no sonho e na morte. Antoun Al-Chomali foi um desses. Leiam-no novamente, não como arquivo, mas como testamento. Façam de sua poesia uma ponte entre o passado esquecido, o presente devastado e o futuro possível.
Conclusão
Antoun Al-Chomali não foi um poeta qualquer: foi testemunha e mártir num tempo em que as testemunhas se perderam e o testemunho foi roubado da vítima. Resgatar sua voz hoje é um ato de resistência cultural, tão essencial quanto o que ocorre nas trincheiras de Gaza. Porque a palavra, se não estiver ao lado do oprimido, estará ao lado do carrasco, ainda que alegue neutralidade.
Tragamo-lo de volta à luz… não para homenageá-lo, mas para que lute ao nosso lado, como sempre fez, por meio de um poema ainda inacabado.
Wisam Zoghbour é jornalista, membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos e diretor da Rádio Voz da Pátria
Edição de Texto: Alexandre Rocha
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