ABNA Brasil: O conjunto dos ensinamentos vivificantes do Islã, dotado de abrangência e perfeição, dedica atenção a tudo aquilo que conduz à felicidade mundana e à salvação no Além. Um dos aspectos importantes da vida, que por vezes é negligenciado em meio à seriedade das normas e dos atos de adoração, é a importância da alegria espiritual e das interações sociais construtivas. Ao contrário da visão de alguns que imaginam a religião apenas como um conjunto de deveres e proibições rígidas e sem vida, uma análise profunda da conduta dos Infallíveis (a) e de suas palavras apresenta uma imagem distinta do Islã; uma imagem na qual a alegria, a esperança e até mesmo a brincadeira e o bom humor ocupam um lugar especial. Essa abordagem não conduz o ser humano ao ascetismo extremo ou ao isolamento, mas o convida a uma presença ativa e construtiva em uma sociedade alegre e ética.
Um precioso hadith do quinto astro luminoso do Imamato, Imam Muhammad Baqir (a):
«اِنَّ اللّهَ عَزَّوَجَلَّ یُحِبُّ المُداعِبَ فِی الجَماعَةِ بِلارَفَثٍ» (1)
“Deus Todo-Poderoso ama aquele que brinca em meio ao grupo, desde que não profira insultos.”
Esse nobre hadith não apenas concede permissão à brincadeira, como a apresenta como uma prática amada e objeto de especial consideração divina, ao mesmo tempo em que estabelece seu mais importante marco ético. De fato, essa narração abre um novo capítulo na compreensão do lugar da alegria e das interações sociais na visão islâmica.
Elucidação do hadith nobre:
1. A importância da brincadeira e do bom humor no Islã; revitalização do espírito e da mente:
O Islã é a religião da natureza humana (fitrah) e está em total consonância com as necessidades espirituais e psicológicas do ser humano. Uma dessas necessidades é o sentimento de alegria, vivacidade e suavização do espírito. A vida humana está repleta de seriedades, responsabilidades e, por vezes, dificuldades e desafios, que podem levar ao cansaço espiritual e ao desgaste mental. Nessas condições, a brincadeira lícita atua como uma brisa agradável, capaz de remover a poeira da tristeza e da aflição do coração, conferindo frescor e vitalidade ao ser humano. O hadith do Imam Baqir (a) demonstra claramente que essa prática não é um entretenimento trivial, mas uma ação que atrai o amor divino. Essa perspectiva isenta o Islã de qualquer visão pessimista em relação às alegrias lícitas e enfatiza a importância de uma atitude positiva e esperançosa na vida. Essa brincadeira não apenas fortalece o ânimo individual, como também conduz a uma sociedade mais vibrante e enérgica.
2. Os limites da brincadeira lícita; a condição essencial “بِلا رَفَثٍ”:
A expressão “بِلا رَفَثٍ” no hadith do Imam Baqir (a) é o ponto central e o critério principal para distinguir a brincadeira lícita da ilícita. “Rafath”, no sentido lexical, refere-se a fala obscena, insulto, palavrão, conversa fútil, mentira e qualquer discurso que ultrapasse os limites da decência e da urbanidade. Assim, a brincadeira aprovada pelo Islã jamais deve ser contaminada por mentira, calúnia, difamação, zombaria de outras pessoas, palavras indecentes ou expressões contrárias aos costumes e à lei religiosa. O objetivo da brincadeira é provocar riso e alegria, e não humilhar, ferir ou violar a dignidade alheia.
O Alcorão Sagrado também proíbe de forma categórica qualquer tipo de escárnio e zombaria. Deus Altíssimo diz:
﴿یَا أَیُّهَا الَّذِینَ آمَنُوا لَا یَسْخَرْ قَوْمٌ مِنْ قَوْمٍ عَسَی أَنْ یَکُونُوا خَیْرًا مِنْهُمْ وَلَا نِسَاءٌ مِنْ نِسَاءٍ عَسَی أَنْ یَکُنَّ خَیْرًا مِنْهُنَّ وَلَا تَلْمِزُوا أَنْفُسَکُمْ وَلَا تَنَابَزُوا بِالْأَلْقَابِ بِئْسَ الِاسْمُ الْفُسُوقُ بَعْدَ الْإِیمَانِ وَمَنْ لَمْ یَتُبْ فَأُولَئِکَ هُمُ الظَّالِمُونَ﴾ (2)
“Ó vós que credes! Que um grupo de homens não zombe de outro grupo, pois pode ser que estes sejam melhores do que aqueles; e que mulheres não zombem de outras mulheres, pois pode ser que estas sejam melhores do que aquelas. Não vos difameis mutuamente nem vos chameis por apelidos depreciativos. Quão detestável é o nome de perversidade após a fé! E aqueles que não se arrependem, esses são os injustos.”
Esse versículo define claramente a fronteira entre a brincadeira saudável e a zombaria condenável. A brincadeira deve gerar laços e afeição, e não separação e inimizade.
3. A brincadeira “فِی الجَماعَةِ”; fortalecedora dos vínculos sociais:
A ênfase do Imam Baqir (a) na expressão “فِی الجَماعَةِ” (em meio ao grupo) é um ponto essencial. A brincadeira em grupo, quando observados os critérios éticos, pode ser extremamente eficaz no fortalecimento das relações sociais e na criação de um ambiente amistoso e afetuoso. Essas brincadeiras:
- quebram o gelo das relações, facilitando o início de conversas e interações;
- aumentam a intimidade, elevando o sentimento de proximidade e conforto entre as pessoas;
- reduzem tensões, pois em ambientes de trabalho ou familiares, brincadeiras adequadas podem aliviar conflitos e criar um clima mais tranquilo;
- atraem os corações, já que pessoas bem-humoradas e de boa conduta, que fazem brincadeiras construtivas, costumam ser mais queridas entre os demais.
Isso demonstra que o Islã, além da formação individual, dedica especial atenção à saúde e à vitalidade da sociedade, considerando o bom humor lícito como um instrumento para alcançar esse objetivo.
4. A brincadeira lícita como sinal do amor divino; fruto de uma intenção pura:
O fato de Deus Todo-Poderoso amar aquele que brinca respeitando os limites já é, por si só, a maior prova da importância e do valor dessa prática. Por que Deus ama tal pessoa?
Porque essa brincadeira:
- traz alegria aos crentes, o que por si só é uma boa ação;
- revela bom caráter, pois quem brinca com educação e respeito possui ética elevada e equilíbrio interior;
- promove afeição e harmonia, que são objetivos nobres da religião na construção de uma sociedade unida;
- reflete esperança e vitalidade, demonstrando que, apesar das dificuldades, a pessoa mantém esperança na vida e no futuro.
Esse amor divino é uma recompensa pela intenção pura e pela ação meritória realizada com o propósito de alegrar os corações e fortalecer os laços humanos.
5. A manifestação do bom humor na conduta dos Infallíveis (a):
Para uma compreensão mais profunda desse hadith, um breve olhar sobre a prática do Profeta Muhammad (s) e dos Imames Ahl al-Bayt (a) é esclarecedor. Eles não apenas não proibiam a brincadeira e o bom humor, como também, em diversas ocasiões, praticavam-nos observando todos os limites e critérios éticos. Esses relatos demonstram claramente que os Infallíveis (a) se relacionavam com as pessoas com semblante aberto e palavras gentis, criando, por meio de brincadeiras adequadas, um ambiente íntimo e amistoso para os que os cercavam. Esse aspecto de sua conduta é uma prova sólida da legitimidade e da desejabilidade da brincadeira lícita no Islã, afastando qualquer mal-entendido a esse respeito (por exemplo, a brincadeira do Profeta com a idosa sobre a entrada das idosas no Paraíso).
Nas palavras sábias do Imam Baqir (a), compreendemos que o Islã não apenas não se opõe à alegria lícita, como considera a brincadeira e o bom humor, livres da impureza do “rafath” e da ofensa, práticas recomendáveis e dignas do amor especial do Criador. Esse nobre hadith, como uma lâmpada iluminadora, orienta os crentes a se beneficiarem da dádiva das brincadeiras construtivas e éticas em sua vida social. A brincadeira realizada com a intenção pura de alegrar os corações, fortalecer os vínculos humanos e criar um ambiente positivo não é apenas um passo para a suavização do espírito individual, mas também se transforma em um poderoso fator de aumento da alegria, da empatia e da coesão social. Por fim, esse valioso ensinamento transmite uma mensagem clara à comunidade de fé: seguindo a conduta da Ahl al-Bayt (a), é possível construir uma sociedade vibrante, revigorada e, ao mesmo tempo, comprometida com a ética e a espiritualidade; uma sociedade na qual o riso lícito não apenas não é proibido, mas é considerado um meio de aproximação à presença de Deus Todo-Poderoso.
Notas:
- Al-Kafi, vol. 2, p. 345
- Surata Al-Hujurat, versículo 11
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