ABNA Brasil: O Imam Ali (as) diz:
«Al-lisān sabu‘un, in khulliya ‘anhu ‘aqara» (1) — a língua é uma fera que, se deixada livre, morde.
Essa frase curta e profundamente significativa, que brilha como uma joia no tesouro da sabedoria árabe, oferece-nos uma imagem clara e alarmante da realidade da língua. Esse extraordinário instrumento de comunicação assemelha-se a uma fera poderosa que, se não for controlada e disciplinada, pode causar feridas profundas e irreparáveis ao indivíduo e à sociedade. A história humana é testemunha de guerras, rancores e colapsos de relações cujo estopim foi apenas uma “palavra” — uma palavra impensada, uma calúnia infundada ou uma difamação indevida.
Contudo, essa mesma fera indomada, quando educada e controlada, transforma-se em um instrumento incomparável de construção, orientação e aperfeiçoamento: um meio para a difusão do conhecimento, o convite ao bem, o consolo dos corações e o estabelecimento da paz e da amizade.
A importância da língua e do controle da fala no Islã
O Islã, como uma religião abrangente e completa, dedica atenção especial à língua e à palavra. Por meio de numerosos versículos e tradições, enfatiza-se a necessidade de vigilância e controle da fala. Como podemos aproveitar o poder latente das palavras e, ao mesmo tempo, proteger-nos de seus danos devastadores? A essa pergunta responderemos com base nas ricas fontes islâmicas.
Manifestações da língua sem controle
1. Difamação e calúnia: uma flecha no escuro contra a honra humana
Uma das expressões mais evidentes da “língua feroz” é a difamação e a calúnia, que atingem a honra das pessoas como um punhal pelas costas.
Versículo:
﴿Ó vós que credes! Evitai muitas suspeitas, pois algumas suspeitas são pecado. Não espieis, nem difameis uns aos outros. Acaso alguém de vós gostaria de comer a carne de seu irmão morto? Certamente o repudiaríeis. Temei a Deus; por certo, Deus é Remissório, Misericordioso﴾ (2)
Esse nobre versículo proíbe a suspeita negativa, a espionagem e a difamação, comparando-a ao ato repugnante de comer a carne de um irmão morto. A metáfora evidencia que a honra do crente é tão sagrada quanto seu corpo, e feri-la equivale a dilacerar sua própria carne. A difamação não é apenas um grande pecado; ela também mina a confiança social e semeia rancor e hostilidade.
2. A mentira: o enfraquecimento dos alicerces da honestidade
A mentira é outra enfermidade da língua que afasta o indivíduo da sinceridade e conduz a sociedade à hipocrisia e à desconfiança.
Versículo:
﴿Quem forja mentiras contra Deus, enquanto é chamado ao Islã, cometeu um enorme pecado﴾ (3)
Embora esse versículo se refira especificamente a mentiras atribuídas a Deus, seu significado geral expressa a gravidade e a reprovação da mentira. A falsidade distorce a verdade, destrói gradualmente o caráter do indivíduo e elimina a confiança mútua. Uma sociedade na qual a mentira se difunde afasta-se do caminho da justiça e da verdade.
3. Intriga e disseminação da discórdia: semear a hipocrisia
A língua também pode ser um instrumento para criar divisão e hostilidade entre as pessoas — um ato severamente condenado no Alcorão.
Versículo:
﴿Não obedeças a todo jurador desprezível, difamador e propagador de intrigas﴾ (4)
Esses versículos alertam contra seguir pessoas vis, que espalham boatos com a intenção de criar discórdia. O intrigante, ao transmitir palavras de uns aos outros e exagerá-las, semeia ódio e perturba a tranquilidade social.
4. Insultos e palavrões: a poluição da fala e do espírito
O uso de palavras ofensivas não apenas contamina o ambiente, mas também diminui a dignidade humana.
Versículo (sobre a boa fala):
﴿E falai bem às pessoas﴾ (5)
Embora o versículo não mencione explicitamente os insultos, a ordem de falar com bondade implica a proibição de qualquer discurso ofensivo. A boa palavra é sinal de nobreza de caráter; já a grosseria fere tanto quem fala quanto quem ouve.
5. A língua construtiva: lembrança de Deus, promoção do bem e palavra verdadeira
Além de seu potencial destrutivo, a língua possui enorme capacidade de construção, orientação e aproximação de Deus.
Lembrança de Deus:
﴿Ó vós que credes! Lembrai-vos de Deus abundantemente﴾ (6)
A lembrança de Deus com a língua traz serenidade à alma, purifica o coração e afasta a pessoa dos pecados da fala.
Ordenar o bem e proibir o mal:
﴿Que haja entre vós uma comunidade que convide ao bem, ordene o que é correto e proíba o que é reprovável; estes são os bem-sucedidos﴾ (7)
Aqui, a língua torna-se um instrumento de reforma social, orientação e prevenção da corrupção.
A palavra verdadeira e o conselho sincero:
﴿E quem tem melhor palavra do que aquele que convida a Deus, pratica o bem e diz: ‘Sou dos muçulmanos’?﴾ (8)
Esse versículo apresenta a melhor forma de discurso como aquela que chama à verdade, orienta os outros e difunde os ensinamentos divinos — exemplos do “melhor dizer” (qawl ahsan).
A língua, portanto, não é apenas um meio de fala, mas uma força imensa que impacta nossa vida terrena e espiritual. Ela pode ser causa de divisão, mentira, difamação e destruição das relações sociais, ou pode tornar-se um veículo de lembrança, orientação, paz, construção e difusão do conhecimento divino. A escolha do caminho depende do grau de controle e consciência que exercemos sobre esse dom.
O Alcorão deixa claro que Deus está ciente até das menores palavras que proferimos, e somos responsáveis por tudo o que dizemos. Com reflexão antes de falar, silêncio quando necessário e vigilância constante sobre a fala, podemos transformar a língua de uma fera destrutiva em um instrumento eficaz de elevação pessoal e social.
Lembremo-nos: cada palavra que pronunciamos é uma semente plantada no solo da existência; seus frutos — bons ou maus — inevitavelmente brotarão no campo de nossas ações. Que, com piedade e autocontrole da língua, possamos domar essa “fera oculta” e semear apenas o bem, colhendo seus doces frutos neste mundo e no além.
Notas
- Nahj al-Balagha, sabedoria 60
- Alcorão, Surata Al-Hujurat, 12
- Alcorão, Surata Al-‘Ankabut, 68
- Alcorão, Surata Al-Qalam, 10–11
- Alcorão, Surata Al-Baqara, 83
- Alcorão, Surata Al-Ahzab, 41
- Alcorão, Surata Aal ‘Imran, 104
- Alcorão, Surata Fussilat, 33
Sra. F. Deldari
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