ABNA Brasil: Na cultura islâmica, o jihad divide-se em duas categorias: o “jihad menor”, que é o combate no campo de batalha físico, e o “jihad maior”, que consiste na luta interior contra o próprio ego. O Mensageiro de Deus (saw), ao retornar de uma batalha, afirmou que havia chegado o momento do jihad maior — o combate contra o ego. No mundo da informação, esse princípio ganha um significado extremamente concreto.
A maior batalha que travamos no ambiente digital é a luta contra o orgulho, a raiva, os preconceitos e o desejo de visibilidade e validação (likes e compartilhamentos). Sem vencer esse jihad maior, qualquer atividade midiática transforma-se em instrumento a serviço do ego, e não da verdade. Esse processo de autoconstrução é o pré-requisito de todo jihad informacional ético.
Esse princípio desafia a cultura moderna da “influência” e nos convida a substituir o foco em métricas externas de sucesso — como número de seguidores e taxa de engajamento — por uma atenção maior à integridade e à saúde interior.
A “palavra boa”: a arma da construção
O jihad não é apenas uma ação defensiva para conter o mal, mas também um esforço ativo para expandir o bem. O Alcorão compara a “palavra boa” (kalima tayyiba) a uma árvore robusta, de raízes firmes e frutos permanentes (Ibrahim, 24–25). Em um mundo saturado de palavras tóxicas, notícias desanimadoras e conteúdos que promovem divisão, o maior jihad é produzir e difundir a palavra boa. É isso que hoje se denomina “jihad da elucidação” (jihad al-tabyin).
A missão do combatente midiático contemporâneo é criar conteúdos que gerem esperança, aprofundem a consciência, convidem à reflexão em vez da excitação impulsiva e construam pontes entre as pessoas, em vez de erguer novos muros. Trata-se de um jihad construtivo no campo das ideias.
A arma oculta da propaganda
Todos nós aprendemos a identificar mentiras explícitas. Contudo, o instrumento mais perigoso e eficaz da propaganda não é a mentira absoluta, mas a “meia-verdade” — o uso de informações corretas e reais, porém incompletas, fora de contexto ou direcionadas para induzir a uma conclusão equivocada.
É exatamente isso que o Imam Ali (as) descreveu ao falar das palavras dos kharijitas, chamando-as de “uma palavra verdadeira com intenção falsa”. Por exemplo: apresentar dados de crescimento econômico de um país sem mencionar a inflação descontrolada que destrói o poder de compra da população. O número do crescimento é “verdadeiro”, mas a narrativa construída é “falsa”. Assim, o verdadeiro jihad informacional não consiste apenas em combater a mentira, mas em um compromisso profundo com a integridade da narrativa, a transparência e a apresentação do quadro completo.
O princípio da verificação antes da divulgação
No mundo digital, a velocidade é considerada uma virtude. Ser o primeiro, viralizar e sair na frente na divulgação de notícias é o desejo de todo agente midiático. Contudo, a ética do jihad nos recorda de uma virtude ainda maior: a pausa e a investigação. Este é o princípio do “tabayyun” (verificação).
O Alcorão ordena explicitamente que, antes de aceitar ou retransmitir qualquer notícia, verifiquemos sua veracidade:
“Ó vós que credes! Se um perverso vos trouxer uma notícia, verificai-a…” (Al-Hujurat, 6).
Na era das fake news e dos algoritmos movidos pela excitação, a checagem dos fatos é a linha de frente do jihad informacional. Cada like, cada compartilhamento e cada comentário de apoio funciona como um golpe de espada: ou defende a verdade, ou a fere.
Uma pesquisa do MIT revelou que notícias falsas se espalham 70% mais rápido do que notícias verdadeiras. Isso demonstra que tanto os algoritmos quanto a natureza humana tendem à velocidade e à emoção — não necessariamente à verdade.
O jihad da intenção
O Profeta Muhammad (saw) afirmou em um famoso hadith:
“As ações são julgadas de acordo com as intenções” (1).
Hoje, todo comunicador ou produtor de conteúdo deve se perguntar antes de agir: por que estamos produzindo ou compartilhando este conteúdo? Para conscientizar e reformar a sociedade, ou para aumentar o engajamento, ganhar seguidores e obter lucro?
O jihad nesse campo é uma luta interior contínua contra motivações não espirituais — uma luta contra o ego que prioriza fama em detrimento da verdade e tráfego em detrimento da responsabilidade social. Um meio de comunicação sem intenção pura, mesmo que ostente uma aparência religiosa ou moral, pode acabar tornando-se instrumento de divisão e destruição. Aqui, o jihad maior encontra seu significado mais preciso: lutar contra o “eu” para servir à verdade.
O jihad pela preservação da dignidade
O Imam Ja‘far al-Sadiq (as) disse:
“A dignidade do crente é maior do que a dignidade da Kaaba” (2).
Hoje, as redes sociais transformaram-se no maior altar de sacrifício da reputação humana. Exposições sensacionalistas, zombarias, memes ofensivos e julgamentos precipitados tornaram-se os meios mais fáceis de gerar conteúdo viral. O jihad nesse contexto é resistir a essa tentação destrutiva; é trabalhar para criar um ambiente em que a crítica substitua a difamação, o diálogo tome o lugar do insulto e a dignidade humana prevaleça sobre qualquer interesse imediato. É escolher o caminho mais difícil, porém mais correto.
Sua arma é a sua ética
O jihad informacional, quando corretamente compreendido, não é uma guerra de imoralidade contra imoralidade, nem uma tentativa de derrotar o adversário a qualquer custo. Ele é a arte de construir um ecossistema comunicacional no qual a verdade possa respirar, a dignidade humana seja preservada e a sociedade sofra menos feridas.
Nesse combate, nossos likes, compartilhamentos e comentários são as nossas espadas. A vitória não é medida por métricas de engajamento ou número de seguidores, mas pela fidelidade aos princípios éticos da verificação dos fatos, da justiça, do autocontrole e do respeito à dignidade humana.
Portanto, antes do próximo clique, pergunte a si mesmo:
este clique é uma espada em defesa da verdade — ou apenas mais um golpe em uma guerra sem sentido?
Notas
- Bihar al-Anwar, vol. 67, p. 210
- Bihar al-Anwar, vol. 65, p. 15
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