ABNA Brasil: Em uma reflexão mais profunda sobre o versículo «لَیْسَ الذَّکَرُ کَالْأُنْثَی» (“O masculino não é como o feminino”), descortina-se um vasto universo de significados que não se fundamenta na “superioridade”, mas na “diversidade e complementaridade”. Esta expressão revela diferenças ontológicas e funcionais, e não uma hierarquia que sacrifique um em favor da supremacia do outro. Cada um dos dois gêneros constitui um mundo à largura da criação, dotado de delicadeza própria e sabedoria singular.
Sob a ótica mística, mulher e homem são duas manifestações de uma única verdade humana e duas páginas do livro da manifestação divina. Aquilo que eleva a dignidade da mulher é exatamente o que a conduz ao patamar do ser humano pleno. A maternidade — símbolo da criação e da misericórdia; a afetividade — manifestação do amor puro do Divino; a paciência — fundamento da perseverança no caminho espiritual; e o conhecimento aliado à fé — luz que acende a orientação e a consciência no coração. Estes são graus de perfeição humana, não privilégios baseados em gênero.
No campo social, essa visão também possui fundamentos transformadores. Quando mulher e homem são reconhecidos como pares e complementares, a família deixa de ser um espaço de dominação para tornar-se um ateliê de cooperação e criação. “Construir um paraíso chamado vida” é uma tarefa compartilhada: homem e mulher, com capacidades distintas porém igualmente valiosas, constroem juntos um ambiente no qual o afeto floresce, a justiça se enraíza e a humanidade alcança seu amadurecimento.
O versículo «لَیْسَ الذَّکَرُ کَالْأُنْثَی», à luz do misticismo e da ação social — ainda que ao longo da história tenha sido por vezes objeto de leituras restritivas — encerra, na verdade, um oceano de significados. A palavra-chave deste versículo é diferença, e não preferência. Diferença, não como sinônimo de deficiência ou perfeição absoluta, mas como diversidade de manifestação, multiplicidade de caminhos para a perfeição e pluralidade de formas de servir à verdade. Homem e mulher são duas expressões distintas de uma mesma realidade humana, como dois raios de um único sol ou duas notas de uma sinfonia divina.
A mulher, nas experiências místicas, é espelho dos Nomes e Atributos divinos; sob uma visão contemplativa, sua existência é considerada uma manifestação privilegiada da beleza e da misericórdia de Deus. Um místico como Rumi (Molana), em seus versos, não vê a mulher como um ser de segunda categoria, mas como “criadora da vida” e manifestação da misericórdia divina universal.
A maternidade — esse domínio sagrado da mulher — não é apenas um papel biológico, mas o símbolo e a personificação da força criadora e nutridora que impulsiona o mundo. Este é o مقام (status) do califado divino sob a forma da misericórdia. A afetividade feminina, muitas vezes interpretada superficialmente como fraqueza, na perspectiva mística é uma faculdade de percepção direta e intuitiva da verdade — uma força que, por vezes, se aproxima mais da realidade do que o acúmulo de raciocínios intelectuais rígidos.
A paciência da mulher não é passiva nem estagnada; é uma paciência ativa e criadora, semelhante à paciência da terra que, com serenidade silenciosa, transforma a semente em árvore. Seu conhecimento e sua fé pertencem à mesma natureza: uma compreensão permeada de amor e ação.
Assim, a elevação do status da mulher significa que ela é um canal singular para a manifestação de certos Nomes divinos — como Ar-Rahman (O Misericordioso), Ar-Rahim (O Compassivo), Al-Latif (O Sutil) e Ar-Razzaq (O Provedor) — da mesma forma que o homem pode ser veículo para outros Nomes — como Al-Qahhar, Al-Jabbar e Al-Mutakabbir. A perfeição reside na harmonia e interação entre essas manifestações.
Mulher e homem, por meio da igualdade conceitual e da participação prática, podem avançar juntos na construção de uma “vida paradisíaca”. Ao estender essa leitura mística ao campo social, estabelece-se a base de uma ordem social equilibrada e florescente. Uma sociedade em que a família não seja o espaço de domínio de um gênero, mas o primeiro laboratório para a formação do ser humano pleno e o palco da cooperação entre dois pares divinos.
Nesta visão, a gestão do lar e a educação dos filhos constituem uma missão sagrada e especializada, que edifica os alicerces da saúde psicológica e ética da próxima geração, sendo equivalente a qualquer outro papel social. O espaço público exige a presença equilibrada e meritocrática de ambos os gêneros. Uma sociedade privada da “delicadeza, afetividade e paciência” associadas ao feminino, ao lado da “força, determinação e capacidade de gestão” associadas ao masculino (como estereótipos passíveis de equilíbrio), torna-se seca, unilateral e incompleta.
A história da civilização islâmica oferece exemplos luminosos de mulheres eruditas, juristas, médicas, literatas e até líderes políticas — como Khadija al-Kubra (sa) no campo econômico, a Senhora Zaynab (sa) na liderança político-social após o evento de Karbala, e dezenas de transmissoras de hadith e estudiosas nos séculos dourados do Islã — demonstrando que essa paridade não é apenas teórica, mas uma realidade histórica.
Construir um paraíso chamado vida exige o uso de todas as manifestações da sabedoria divina. Esse paraíso não se edifica apenas com racionalidade rígida; necessita simultaneamente de amor, gentileza, sensibilidade estética, ética do cuidado, firmeza e justiça. Essas qualidades encontram-se distribuídas de forma potencial e gradual entre mulheres e homens, e seu florescimento em cada indivíduo depende da educação e do contexto social.
O versículo «لَیْسَ الذَّکَرُ کَالْأُنْثَی» afasta-nos da dicotomia simplista de “superior/inferior” e nos conduz ao domínio mais profundo e belo da complementaridade. Essa abordagem rejeita tanto a injustiça histórica contra as mulheres — fruto de leituras equivocadas e dominadas pelo poder — quanto a imitação acrítica de certos modelos feministas liberais que, por vezes, resultam no apagamento das diferenças naturais.
Mulher e homem são iguais no círculo da existência no sentido de que compartilham igual valor humano e dignidade intrínseca; e a diferença é precisamente uma exigência dessa igualdade, manifestando-se em capacidades e características naturais que concedem a cada um um papel singular no serviço à humanidade.
A civilização ideal é aquela que enxerga essas diferenças como riqueza, e não como pretexto para exclusão ou dominação; uma civilização que cria espaço para que cada ser humano — mulher ou homem — possa, de acordo com seus talentos inatos e adquiridos, participar de seu próprio florescimento e da construção desse “paraíso terreno”. Eis o significado profundo da paridade na criação.
Zahra Salehi Far
Mestre em Estudos Corânicos e Hadith,
Estudante de Mestrado em Gestão de Mídia – Universidade Baqir al-Olum
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