20 dezembro 2025 - 10:13
Paternidade e maternidade na balança da Revelação; o modelo de parentalidade à luz do Alcorão e da Ahl al-Bayt

A formação da personalidade da criança é um processo complexo e influenciável, no qual a fala brilha menos do que o comportamento. Na escola educativa do Islã, os pais não são apenas provedores e cuidadores, mas exemplos práticos e vivos, cujas atitudes ensinam. Um olhar para os ensinamentos do Alcorão e para a sira dos Infallíveis (a) mostra que a educação, antes de acontecer na sala de aula, se realiza no coração da vida cotidiana e por meio da imitação da criança em relação ao pai e à mãe.

ABNA Brasil: Hojjatoleslam wal-Muslimin Mohammad Hossein Amin, escritor e pesquisador religioso, em um texto exclusivo para a ABNA, aborda a importância e a posição crucial dos pais na parentalidade e na educação dos filhos.

A educação dos filhos é uma arte delicada e uma responsabilidade grave, cujo alicerce não é estabelecido em livros teóricos, mas no comportamento diário dos pais. O Islã, como uma religião abrangente, apresenta para esse papel vital estruturas claras e modelos incomparáveis. Nessa perspectiva, o pai e a mãe são “educadores” que, antes do ensino verbal, ensinam lições de vida por meio de sua conduta e ética. A importância do modelo comportamental dos pais chega a tal ponto que se pode afirmar que o destino religioso e moral da próxima geração depende, mais do que de qualquer outro fator, da forma como eles interagem e agem diante dos olhos das crianças.

Alcorão e Ahl al-Bayt; os pais como modelo exemplar

O Alcorão Sagrado reconhece explicitamente a imitação dos seres humanos — especialmente dos filhos em relação aos pais — como uma realidade psicológica. Em um versículo, lemos que algumas pessoas, no Dia da Ressurreição, considerarão seus pais responsáveis por seu desvio.(1) Esse versículo mostra claramente que o comportamento incorreto dos pais pode influenciar os filhos até o limite da perversão e do extravio. Em contrapartida, Deus apresenta o Profeta do Islã (s) como «أُسْوَةٌ حَسَنَةٌ» (um belo exemplo) para todos os crentes.(2) Esse conceito também se estende à família: os pais crentes são obrigados, no âmbito do lar e da família, a se tornarem um “bom modelo” para os filhos.

Nas tradições da Ahl al-Bayt (a), essa questão também recebe grande ênfase. O Imam Sadiq (a) afirma em uma declaração profunda: «کُونُوا دُعَاةَ النَّاسِ بِغَیرِ أَلْسِنَتِکُمْ؛ convidem as pessoas [para o bem] não com suas línguas, mas com suas ações e comportamentos.»(3) Esse nobre hadith é a chave-mestra da educação na família. O filho rapidamente esquece os gritos de advertência do pai e da mãe, mas jamais esquece sua educação, gentileza, veracidade e firmeza de fé. Aquilo que ele vê na prática se grava em seu subconsciente como a verdade da vida.

Na perspectiva islâmica, a parentalidade não é apenas uma relação biológica, mas um “pacto divino” e uma grande confiança. O Imam Sajjad (a), na Risalat al-Huquq, descreve assim o direito do filho sobre o pai:
«وَ أَمَّا حَقُ وَلَدِکَ فَأَنْ تَعْلَمَ أَنَّهُ مِنْکَ ... وَ أَنَّ مَسْؤُولِیَّتَکَ فِیمَا وُلِّیتَ مِنْ حُسْنِ الْأَدَبِ وَ الدِّلالَةِ عَلَی رَبِّهِ عَزَّ وَ جَلَّ؛ quanto ao direito de teu filho sobre ti, é que saibas que ele é de ti… e que tua responsabilidade para com ele é educá-lo bem e guiá-lo para o seu Senhor, o Todo-Poderoso.»(4)
Essa responsabilidade pesada só é possível por meio da apresentação de um modelo prático. Como recomendar a oração a um filho, se o próprio pai é negligente com ela? Como falar de veracidade e, na prática, demonstrar o contrário?

A sira dos Infallíveis (a); a tradução prática dos versículos da educação

Para compreender concretamente a importância do modelo parental, nada é mais eloquente do que a sira prática da Ahl al-Bayt (a). Esses nobres, que são modelos absolutos, deixaram inúmeras lições práticas para a humanidade em seu papel de pai e mãe. A relação afetuosa e respeitosa do Profeta do Islã (s) com sua filha Fátima (s) era tal que, sempre que ela entrava, o Profeta (s) se levantava em respeito e a fazia sentar-se no melhor lugar da assembleia.(5) Esse comportamento é um modelo duradouro da forma como um pai deve tratar a filha e honrar a personalidade do filho.

O Imam Ali (a), apesar de sua autoridade e firmeza no campo de batalha, em casa tratava seus filhos com tamanha ternura e tolerância que parecia um amigo da mesma idade. O relato de o Imam (a) brincar com seus filhos, Imam Hasan (a) e Imam Hussein (a), colocando-os sobre suas costas, demonstra a profundidade do vínculo afetivo e a importância da participação no mundo infantil dos filhos.(6) Esse comportamento ensina à criança que o amor e a alegria são partes inseparáveis da vida religiosa. Da mesma forma, a sira de Sayyida Fátima Zahra (s), como mãe que, com simplicidade, adoração e serviço ao esposo, enchia o lar de espiritualidade, é um modelo incomparável para as mães. Apesar das dificuldades da vida, ela se dedicou de tal forma à educação dos filhos que cada um deles se tornou um exemplo para toda a humanidade.

O Imam Sajjad (a), ao redigir a Risalat al-Huquq, apresentou um manual prático para as relações humanas. Sua conduta com seus filhos, especialmente com o Imam Baqir (a), é um exemplo de educação baseada no respeito mútuo e na transmissão prática dos ensinamentos. Relata-se que, em diversas ocasiões, ele ensinava ao filho seus deveres religiosos e morais por meio de palavras eloquentes e de um comportamento repleto de afeto.(7) Isso mostra que o modelo parental na sira dos Imames (a) é uma combinação de ternura infinita, limites éticos claros e ensino indireto por meio do comportamento.

Patologia do modelo incorreto; quando o comportamento dos pais se torna destrutivo

Assim como o comportamento correto dos pais pode ser construtivo e orientador, seu modelo incorreto também pode ser destrutivo e desviador. O Islã, com uma visão realista, alerta para esse perigo. Às vezes, os pais, de forma inconsciente, criam a primeira fissura nas crenças da criança por meio de comportamentos contraditórios. Advertir verbalmente sobre a observância do hijab enquanto se é indiferente à própria vestimenta, ou recomendar a veracidade enquanto mentiras “convenientes” permeiam o discurso cotidiano, gera uma “dissonância cognitiva” no filho. Essa contradição leva ou à desconfiança em relação aos pais, ou ao relativismo moral na criança.

Um dos modelos incorretos mais perigosos é a “educação baseada na discriminação” entre os filhos. O Mensageiro de Deus (s) proibiu explicitamente tratar os filhos de forma desigual na demonstração de afeto e na concessão de presentes.(8) A discriminação não apenas acende rancor e inveja no coração dos filhos, mas também forma em suas mentes uma imagem injusta de Deus (como o grande Pai do universo). Outro dano é o modelo de “violência verbal ou física”. Gritar com a criança, humilhá-la ou puni-la fisicamente de forma excessiva, além de causar danos psicológicos duradouros, transmite a mensagem de que a violência é a solução dos problemas, e a criança poderá recorrer a esse método no futuro.

O modelo de “consumismo e ostentação” dos pais na era atual também é um desafio sério. Quando os valores da família giram em torno de aparências materiais e competição social, a criança passa a ver a felicidade em “ter mais”, e não em “ser melhor”. Esse modelo entra em total conflito com os ensinamentos de contentamento e simplicidade presentes na sira da Ahl al-Bayt (a). O Imam Ali (a) afirma:
«مَنْ رَضِیَ عَنْ نَفْسِهِ کَثُرَ السَّاخِطُ عَلَیْهِ؛ aquele que se satisfaz consigo mesmo [e com sua condição], terá muitos descontentes contra si.»(9)
A satisfação com o lícito e a evitação do desperdício são lições que só podem ser transmitidas pela prática dos pais.

Caminhos práticos para tornar-se um modelo eficaz

Para que os pais possam ser um modelo eficaz e positivo para seus filhos, é necessário consciência, planejamento e esforço contínuo. O primeiro passo é a “autoeducação e autocuidado ético” dos pais. Pai e mãe devem, antes de educar o filho, corrigir seus próprios comportamentos e traços de caráter. Esse é o mesmo conceito do “jihad contra o ego” enfatizado nas tradições. O segundo passo é a “harmonia e unidade” entre pai e mãe nos métodos educativos e na apresentação do modelo. Se o pai aprova algo e a mãe o rejeita, a criança fica confusa e aprende a duplicidade. Eles devem ter unidade de critérios nos princípios gerais da educação.

O terceiro passo é a “participação ativa e a qualidade do tempo dedicado”. Ser um modelo exige estar ao lado do filho e interagir significativamente com ele. Ler livros, dialogar de forma íntima sobre assuntos cotidianos, realizar jogos em grupo e participar das tarefas domésticas junto com o filho são oportunidades valiosas para a transmissão indireta de valores. É nessas atividades que a paciência, a responsabilidade, a disciplina e a cooperação são ensinadas na prática. O quarto passo é a “transparência e o reconhecimento do erro”. Os pais devem aceitar que também podem errar. Quando o pai ou a mãe cometem um erro, devem reconhecê-lo com coragem e pedir desculpas ao filho. Isso não diminui sua autoridade; ao contrário, ensina um grande modelo de humildade e responsabilidade diante dos próprios erros.

Por fim, é essencial “criar um ambiente religioso atraente e afetivo” no lar. A realização de práticas espirituais como a recitação coletiva de súplicas, celebrações religiosas e a narração das histórias da Ahl al-Bayt (a) de forma simples e envolvente faz com que a criança veja a religiosidade não como um conjunto de deveres áridos, mas como algo doce e formador da vida. Quando os pais se levantam para a oração com entusiasmo ou falam dos Infallíveis (a) com amor, esse entusiasmo é transmitido ao filho. Conforme disse o Imam Kazim (a):
«عَلَیْکُمْ بِتَعَاهُدِ الْقُرْآنِ...؛ cabe a vocês cuidar e zelar pelo Alcorão…»(10)
Um zelo que começa na prática dos pais e se instala no coração da criança.


Notas de rodapé:

  1. Alcorão Sagrado, Surata Ibrahim, versículo 21: «وَ بَرَزُوا لِلَّهِ جَمِیعاً فَقَالَ الضُّعَفَاءُ لِلَّذِینَ اسْتَکْبَرُوا إِنَّا کُنَّا لَکُمْ تَبَعاً فَهَلْ أَنْتُمْ مُغْنُونَ عَنَّا مِنْ عَذَابِ اللَّهِ مِنْ شَیْءٍ...».
  2. Alcorão Sagrado, Surata Al-Ahzab, versículo 21: «لَقَدْ کَانَ لَکُمْ فِی رَسُولِ اللَّهِ أُسْوَةٌ حَسَنَةٌ لِمَنْ کَانَ یَرْجُو اللَّهَ وَ الْیَوْمَ الْآخِرَ...».
  3. Al-Kulaini, Muhammad ibn Ya‘qub, Al-Kafi, vol. 2, p. 78, hadith 7.
  4. Ibn Shu‘ba al-Harrani, Hasan ibn Ali, Tuhaf al-‘Uqul, p. 256.
  5. Al-Majlisi, Muhammad Baqir, Bihar al-Anwar, vol. 43, p. 54.
  6. Ibid., vol. 43, p. 285.
  7. Ibid., vol. 46, p. 14.
  8. Al-Kulaini, Muhammad ibn Ya‘qub, Al-Kafi, vol. 6, p. 50: «سُئِلَ النَّبِیُّ (ص) عَنْ حَقِّ الْوَلَدِ عَلَی وَالِدِهِ قَالَ أَنْ یُحَسِّنَ اسْمَهُ وَ یُحَسِّنَ أَدَبَهُ... وَ لَا یُفَضِّلَ أَحَدَهُمَا عَلَی الْآخَر».
  9. Al-Amidi, ‘Abd al-Wahid, Ghurar al-Hikam wa Durar al-Kalim, p. 683.
  10. Al-Kulaini, Muhammad ibn Ya‘qub, Al-Kafi, vol. 2, p. 610.

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